quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Cine Íris

CINE ÍRIS
Tarde de sol. Muito calor, apesar do sol escondido entre nuvens. Caminha pelas ruas do Centro Velho do Rio de Janeiro. Pausa, entre compromissos de um processo de treinamento que tenta, meio claudicante, completar. A empresa investe, mas ele, malandramente, pensa mais em aproveitar a Cidade Maravilhosa.
Passa pelo Largo da Carioca, em direção à Praça Tiradentes. Busca uma lan-house onde possa enviar alguns e-mails e se inteirar de suas movimentações bancárias.
Segue pela Rua da Carioca, quando se depara com um prédio antigo e mal-cuidado.Olha o letreiro e lê aquele nome mágico que evoca sua adolescência: Cine Íris. Estórias contadas pelos amigos, do local que abrigava filmes eróticos, shows de strip-tease e possibilidade de aventuras.
Não imaginava que, ainda, existisse. Uma tempestade de emoções se instala na mente. Entrar no cinema e ver as atrações do dia ou seguir adiante em seus compromissos. Opta por entrar.
Na porta, um senhor mal-vestido e bocejante recebe as entradas e as coloca numa espécie de urna. Vai até a bilheteria e compra uma entrada. Dez reais lhe dão direito à viagem. Ver o filme e ao show de strip-tease. Ingressa na sala de projeção. Um cheiro de coisa úmida, mofada, misturada a aromas sexuais, se desprende do local. Senta-se a um banco e aguarda o início do filme. O nome da película é algo enigmático: "Como dois e dois são cinco ou mais". Pensa numa paródia da música de Caetano Veloso ou seria nada disso. A produção é brasileira, com pornostars do grupo "Brasileirinhas" e participação especial da americana Carmella Bing.
O filme tem início. O enredo é muito simples. Dois rapazes, filhos de famílias ricas, ligam para uma agência de garotas de programas e são atendidas pela dona, no caso a americana Carmella Bing, e solicitam os serviços de duas garotas:uma morena e outra loira.
Elas são contatadas pela dona, chamam um táxi e se deslocam até o local, um condomínio luxuoso, na Barra da Tijuca. Lá são recebidas pelos rapazes, já um tanto embriagados. Inicia-se aquele papo furado preliminar e logo eles vão apalpando as garotas e tirando-lhes as roupas. Quando começam a transar surgem de outros cômodos e até detrás das cortinas outros rapazes amigos. Logo, instala-se um animado gang-bang. Agora, ele entende o título do filme e solta um discreta risada.
O tempo passa e a dona, preocupada com a duração do programa que seria breve, pega o carro e se desloca até o local. É recebida por um dos rapazes e logo percebe o clima de sacanagem. Ao invés de ficar irada, adere à festa e o filme termina com um animado banho de piscina.
Corte para a próxima cena, uma mulher vestida com roupas provocantes adentra ao palco. Ao som de uma música brega vai tirando o vestido, contorce-se um pouco e joga no palco o soutien. Depois, livra-se do espartilho e finalmente tira a calcinha vermelha e a joga sobre a plateia que a disputa com voracidade.
Ele fica cada vez mais excitado e percebe uma mão macia escalando suas pernas. Um sorriso sacana se expressa num rosto manchado de maquiagem e uma voz masculina em falsete diz e ele replica:
- Como cresceu este guri
- Tira a mão daí, seu veado
- Eu só quero te dar prazer
- Vai procurar tua turma
Um lanterninha aparece e separa os contendores. Ele levanta-se e se dirige ao banheiro. Limpa-se e volta a sentar na cadeira.
De repente, tudo fica escuro e ele não lembra de mais nada. Só sente a mão calejada lhe tocando no rosto e dizendo.
- O cinema está fechando, pode ir embora.
Pergunta se pode ir ao banheiro. Resposta afirmativa. Se dirige até lá, lava o rosto e urina abundantemente.
Desce as velhas escadas e sente o ar mais frio da noite. Num relance, lembra-se de outro filme e outra cidade: Midnight Cowboy. E assim sai pelas ruas escuras e decadentes do centro pensando, quem sabe, algum dia se encontrar.
Ricardo Mainieri

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