terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Sumido - 22/05/2005 - L.F.V.

"Me disseram "Você anda sumido", e me dei conta de que era verdade. Eu também, fazia tempo que não me via. O que teria acontecido comigo?
Não me encontrava nos lugares em que costumava ir. Perguntava por mim, e a pessoas diziam que havia tempo não me viam. Eu não tinha a menor ideia. A última vez que vira fora, deixa eu ver...Eu não me lembrava.
Eu teria morrido? Impossível, na última vez em que me vira eu estava bem. Não tinha, que eu soubesse, nenhum problema grave de saúde. E, mesmo, eu teria visto o convite para o meu enterro do jornal. O nome fatalmente me chamaria a atenção.
Eu podia ter mudado de cidade. Era isso. Podia ter ido para outro lugar, podia estar em outro lugar naquele momento. Mas porque iria embora assim, sem dizer nada para ninguém, sem me despedir nem de mim? Sempre fomos muito ligados.
No outro  dia fui a um lugar que eu costumava frequentar muito e perguntei se tinha me visto. Não era gente conhecida, precisei me descrever, Não foi difícil porque me usei como modelo."Eu sou um cara assim, como eu. Mesma altura, tudo". Não tinham me visto. Que coisa. Pensei: como é que alguém pode desaparecer desse jeito?
Foi então que comecei, confesso,  a pensar nas vantagens de estar sumido. Não me encontrar em lugar algum me dava uma espécie de liberdade. Podia fazer o que bem entendesse, sem o risco de dar comigo e eu dizer "Você hein?" e eu ser obrigado a me dizer alguma coisa como "Vai ver se eu não estou lá na esquina". Mudei por completo de comportamento. Me tornei outro! que maravilha. Agora, mesmo que me encontrasse, eu não me reconheceria.
Comecei a fazer coisas que até eu duvidaria, se fosse eu. O que mais gostava de ouvir das pessoas espantadas com a minha mudança era: "Nem parece você". Claro que não parecia eu. eu não era eu. eu era outro!
Passei a me exceder, embriagado pela minha nova liberdade. A verdade é que estar estar longe dos meus olhos me deixou fora de mim. Ou fora do outro. E um dia ouvi uma mulher indignada com o meu assédio gritar "Você não se enxerga, não?".
Foi uma revelação. Claro, era isso. Eu não estava sumido. Eu simplesmente não me enxergava. Como podia me encontrar nos lugares onde me procurava se não me enxergava? Todo aquele tempo eu estivera lá, presente, embaixo, por assim dizer, do meu nariz e não me vira.
Por um lado, fiquei aliviado. Eu estava vivo e bem, não precisava me preocupar. Por outro lado foi uma decepção. Concluí que não tem jeito, estamos sempre, irremediavelmente, conosco, mesmo quando pensamos ter nos livrado de nós.
A gente não desaparece. A gente às vezes só não se enxerga."

Até pouco tempo atrás eu imaginava esse desaparecimento contado nas palavras de Luís Fernando Veríssimo e relutei em escrever sobre ele e sobre outros também que foram aparecendo na estrada e queriam dizer alguma coisa, de que um dia eu iria me perguntar aonde eu andava e se eu tinha morrido e quando teria acontecido isso e porque eu fiquei preso nesse mundo e se estava lutando contra mim naquele texto que escrevi sobre universo paralelo. E eu acho que sei o dia e a hora que teria acontecido e em que circunstâncias, já contei há um tempo atrás e se não me engano foi num jogo do Botafogo. Várias pessoas participaram daquela situação e que naquele momento fomos salvos pelo gongo, não sei como aconteceu, mas enfim, as outras situações que me mataram foi numa queda de escada em que não havia enxergado um dos degraus e outra quando soube de uma tocaia montada por um sobrinho que nem era meu, era uma parte que não devia estar num lugar, nem por direito. Depois dali ainda tinha a questão do infarto que se aproximava e restava apenas saber em que momento foi decidido que eu continuaria por aqui, tantas as confusões que apareceram. Uma parte de mim desapareceu e eu não a encontrei mais, mandei algumas correspondências para ela, mas ela estava irreconhecível, queria respostas, não queria subordinação, queria soluções e essas não haveriam mais porque dependiam das atitudes que nunca se confirmaram. Eu ainda acho que estou preso por aqui e não está de todo mal, aquelas pessoas que nunca mais vi, percebi que para mim, eram perfeitamente dispensáveis, não refletiam em nada o meu ser e a minha luz, eram átonas, sem sal, com cara de banheiro público. Percebi que eu estava na banda podre, e que tudo que me fez sumir era para que eu pudesse mostrar toda a minha intensidade em relação a querer me encontrar, não só olhando no espelho, mas podendo me sentir e me tocar, me conhecer melhor e aprender a conviver comigo mesmo e com tudo o que eu penso e percebo em relação as pessoas que se dissiparam.
Mas eu acabei notando que além de sumir de uma parte de mim mesmo, eu acabei escondendo essa parte dos outros, acabando viver uma vida dupla, com outra identidade, por isso que eu não consigo me encontrar e estou sumido, as pessoas não me disseram que aquele pedaço de mim não existe mais e que eu posso sair novamente na busca de mim mesmo, sem vergonha dos sentimentos, eu posso voltar para vida. De fato eu não sei quando isso vai acontecer e se vai acontecer algum dia, talvez eu seja reconhecido por ser outra pessoa, uma marca, um logotipo ou uma tendência que pode andar nas ruas, nos bares, nos cinemas e na vida de cada um, durante uma eternidade.

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