terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Exercício de Otimismo

Esse é um texto de Lya Luft

"Sei que às vezes pareço pessimista falando de nossas graves carências, muita coisa preocupante. Mas não é só isso a vida, não é só isso o Brasil. nós não somos só isso.
Então vai aqui um exercício de otimismo. Sou naturalmente mais inclinada à alegria, às coisas boas que não custam nada e ninguém nos vai tirar: a natureza, por exemplo. No pior barraco da favela, na mais remota cabana de pescador, no mais estreito edifício, na mais atravancada hora de trânsito, quase sempre se consegue uma faixa estreita de céu, de mar. Uma árvore na calçada. Uma flor num vaso. Um gato sinuoso, um cachorro de olhar fiel, uma nuvem de formato singular, o luar entrando pela janela inesperado.
A natureza pode ser cruel: grandes devorando pequenos, raios matando gente, ondas viando tsunamis, terremoto, tornados,. "A natureza é cruell!, diz uma amiga em vago tom jocoso, "Sublime só Mozart". Pode ser, mas de outro lado, nada mais anti-stress do que ver... um estranho ar de tempestade.

Também não precisamos pagar pelos bons afetos: temos de sustentar os filhos pequenos e jovens, trabalhar duro para manter uma casa com dignidade. O abraço espontâneo, o bilhete, o beijo, as flores, o encontro em que nada é interesseiro: ninguém quer poder, dinheiro, voto __ apenas estar junto, ou telefonar, ou escrever e-mail, para dizer coisas como "estou do seu lado".
Um gesto de honradez pode valer muito e nos enche de otimismo, seja de um homem público, seja de um funcionário simples, ou de alguém na rua que encontra nossa carteira e vem correndo nos entregar lago que poderia custar muito mais do que dinheiro perdido, mas documento, cartões aborrecimentos e perda de tempo. Alguém que oferece lugar no ônibus. Alguém que nos cumprimenta sem nos conhecer, passeando na caminhada no parque. Alguém que elogia nossas crianças, ou de longe faz sinal de positivo referindo-se a um trabalho nosso. um livro, um artigo. Tudo o que for gratuito e espontâneo, o contato sem interesse a não ser o bem.
Um belo artigo de jornal, um bom livro, um bom filme, um documentário emocionante na televisão. De minha parte, protegendo minha alma dos noticiários, cheios de escândalos, crimes, violência e indignidades públicas, muito aprecio documentários sobre a natureza. Paisagens com nuvens no japão. A vida secreta dos elefantes --mais cuidadosos e carinhosos com a família do que muitos humanos ---, oceanos, ,montanhas, matas. A natureza me tranquiliza, me dá a ideia de quanto o mundo é vasto e de que posso fazer parte dele sem sair de casa.
Boas memórias: minha mãe, com quem tive os normais de adolescentes que se julgam criticadas ou controladas ao menor e mais natural gesto de carinho materno, eu que desde pequena detestei ser controlada e obedecer a limites - embora em geral tenha me enquadrado bastante bem -- lembro dela hoje com seu passo enérgico, seu eterno otimismo, sua bela voz cantando pela casa quando mais moça, ou trazendo do jardim as mais singulares rosas com nomes solenes e perfumes incríveis. Ou --sob protesto porque não gostava de cozinhar--- preparando as mais refinadas tortas em datas especiais, porque a gente pedia esse presente antes de qualquer outro. Boas memórias não têm preço, porque nada custam ao nosso bolso, ninguém as pode roubar, e nada no mundo poderia pagar por elas.
Então, que sete seja um artigo leve, amoroso, de reconhecimento por tantas coisas boas que a vida me deu. em troca de outas que me tirou, não porque ela seja perversa, mas porque viver é isso. E porque, se olharmos bem, quase sempre o preço da balançada vida é maior naquele pratinho em que a gente coloca as realidades positivas, que pode ser um e-mail, um telefonema, uma nuvem, a voz do vento ou o barulho da chuva, um abraço inesperado, aquela mão pegando na nossa só pelo carinho."


A partir do texto da Lya, ainda volto a coluna do Carpinejar deste domingo em relação ao Casamento, em apoiar, e não aprovar. Eu diria andar do lado, não na frente e nem atrás, de mão dadas, que é o símbolo da cumplicidade. Agora mais do que isso, o "estou do seu lado", e é isso que acompanha uma relação, a afirmação dia-após-dia dessa certeza, de que estar junto significa quase tudo, trocar sentimentos, o texto de Lya mostra uma mulher que realmente quer mostrar o nosso lado melhor, o que pode irradiar emoções e sentimentos para os outros, sem que isso não lhe traga qualquer trauma ou desafio contra si próprio.
De o quanto nos sentimentos envaidecidos por causa de um elogio e de um trabalho muito bem feito por nós mesmos, encarar o reconhecimento no outro como sendo uma aproximação e um encantamento pela pessoa com o qual estamos falando, sem que isso seja interpretado como um deboche, ou um desdém qualquer.
De que muitas pessoas quando começam ler um livro e ver um documentário na tv da natureza, ou mesmo de pessoas chegando e se despedindo nos aeroportos, são um turbilhão de emoções e que nos mostram o quanto sensíveis somos e como sabemos e queremos absorver esse sentimento todo.
De quem mais conviveu com a mãe fui eu mesmo, e como ela foi importante, por exemplo, na educação do meu filho, em cada prato que fazia para o mesmo, lembranças não esquecidas e transformadas em receitas escritas e deixadas para que ele se lembra-se desses momentos, de quando cozinhava para ele e mandava alguém entregar em casa, enviado exclusivamente para ele. De outros tantos momentos que ela foi muito, muito importante com a sua presença de ajudar e carregar para sua casa, dar carinho, dar tranquilidade, com seu poder "curador" para que depois a vida continuasse da sua forma mais simples. Essas boas memórias não tem preços, da cozinha, da sala e do quarto, do tempo que foi convivido junto, Somente quem as tem com tanta proximidade e leva consigo todo o afeto daquela época distante é que deixavam a gente tão próximos, nem sempre é possível continuar assim quando chegamos na idade adulta, após os oitenta anos eu diria, porque já não vemos o compromisso da mesma forma, e da responsabilidade que os pais ainda tem de se preservar para a convivência com os netos e tentar ser melhor com os filhos. Talvez tenhamos fracassado quanto a isso, nos distanciamos, porque ela era superior, dona de si, não tomava os remédios na hora certa, porque lhe davam fraqueza de poder sustentar a superioridade matriarca. Bem que a gente gostaria de acompanhar mais de perto, dar o remédio na hora certa, levar no médico conforme o calendário de vacinações, mas isso tudo ficou nas memórias, que temos guardadas de uma forma registrada em dvd´s, filmagens, fotografias, enfim é a história da nossa mãe. Ter as memórias roubadas e apagadas, são formas de nos preservar daquilo que a gente não consegue conviver e aceitar de nós mesmos, ao nosso contrário, nós queremos preservar a memória, não queremos guardá-las, queremos mostrá-las àqueles que acompanharam toda trajetória dela em todos os momentos de sua vida, ou pelo menos de um pedaço dela.
Todos temos vidas secretas, desejos sinuosos e fantasias não comentadas, somos reconhecidos por pessoas sem nunca tê-las visto de perto, ter conversado com elas, porque não nos é dada essa oportunidade de fato, por uma série de imperfeições que a própria natureza nos oprime, somos o que somos porque temos uma conduta ética, moral e familiar a seguir, isso não quer dizer que não somos pessoas que desejam conhecer e viver outras personalidades e outras formas de nos apresentar ao mundo para que esse seja muito melhor ao nossos olhos e de quem nos vê desnudados.

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