Não sei
onde estava e do que me possuíra quando escrevi a coluna abaixo.
É
tão inacreditável, que chego a pensar que não fui eu que a escrevi. Como posso
ter chegado a tão grande altura? Ei-la, deixem eu me exibir:
Eu
já devia saber que era amor quando vibrava com seus êxitos e me entristecia com
seus embaraços. Eu tinha que ter percebido que era amor quando me sentia
invulnerável à solidão se me aproximasse dela a um raio de 20 metros. Só podia
ser amor aquele estremecimento que me percorria todo o corpo quando ouvia sua
voz se dirigindo para os outros. E quanto, num ambiente repleto de pessoas, eu
passava a não distinguir as feições de todos, vendo-os apenas como vultos
expletivos, realçando-se como esplendorosamente icônica sua figura
arrebatadora, já naquele tempo eu não devia ter duvidado de que era amor.
Já
era fortemente suspeito que durante as minhas tristezas elas desaparecessem
como por um milagre se eu usasse como antídoto a simples lembrança do seu meigo
sorriso. E que, quando diante da visão dela por apenas um segundo, durante o
resto do dia os meus passos e gestos se impregnassem de alegre coragem de
viver. Ou como naquele dia em que topei abruptamente com ela no estacionamento e
fiquei tão ruborizado, que parecia estar focado pelo facho de luz emanado da
palavra de um profeta.
Não
podia ser outra coisa aquela constante palpitação, aquela ruidosa esperança,
aquele contentamento ansioso das manhãs e o meu pulsante e taquicárdico coração
vibrando ante a obsequiosa visão de sal esplendente silhueta vespertina.
Só
podia ser amor a minha alma assim tão cheia de cuidados para preservar o meu
segredo, o medo de que minha palavra ou o meu escrito, num escorregão, violasse
o esplêndido sigilo do sentimento abrasador que me dominava.
Só
podia ser amor, que depois de ela ter surgido luminosa da escarpa da caverna da
minha solidão, eu deixasse de me entregar ao exercício fastidioso da comparação.
Ninguém ou nada mais se equivalia ou se assemelhava a ela, mãe, irmã, parceira,
namorada, companheira. Cheguei loucamente a pensar que a única cidadela capaz
de manter íntegro aquele meu frágil amor inconfessável era mantê-lo em segredo,
imune ao conhecimento dos outros e até mesmo incrivelmente dela.
Dar
a conhece-lo a arrastaria ao tremendo risco de fazê-lo soçobrar ali adiante,
presa fácil do fastio da convivência ou de uma resposta contundentemente
adversa.
Ah,
silencioso amor cheio de delícias e ilusões. Precavido que não se declara com
medo da quebra do cristal. Ah, amor que quanto mais distante mais crescente, quanto
mais errante mais certeiro, quanto mais secreto mais ditoso, quanto menos dela
mais meu, quanto mais irrealizado mais duradouro, quanto mais comprometido mais
honrado.
Quanto
menos compartilhado, mas definitivo. Amor por eleição, tão alto, tão profundo,
tão desinteressado, que não importa sequer o que faça dele e do seu mandato a
sua eleita.
Nem
que o malbarate por não pressentí-lo.
Paulo Santana descreve bem o significado de estar apaixonado, e não viver este amor na vida real, apenas platonicamente, porque só quem sabe o significado da existência de um amor dessa envergadura na sua plenitude pode compreender o que acontece para quem o vive na sua maior intensidade e de não ter pernas e nem força para controla-lo e não ficar refém deste amor doentio e fantasticamente maravilhoso, que é capaz de nos elevar as alturas e ao mesmo tempo nos jogar no pior da sofreguidão de que um ser um humano pode passar na sua existência.
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