quarta-feira, 17 de junho de 2015

O que devemos saber sobre os cães.

A Origem das palavras Cachorrada, canalha, cínico e vida de cão O homem e o cão O cão é um dos animais mais castigados pela linguagem. Enquanto o porco, outro dos tantos bichos injustiçados, é sempre associado a termos e expressões que lembram sujeira, pecado, impureza, o cachorro traz, na linguagem, a marca da falta de caráter, da hipocrisia, da cafajestagem. Pobre porco, pobre cão! São utilizados, ambos, como referência e metáfora do comportamento humano, em seu aspecto mais ignóbil e desprezível. Ao percorrer o caminho de algumas palavras e expressões relativas ao cão, minha proposta é a de prestar-lhe total solidariedade. Sei que a linguagem é impiedosa e seu uso, arraigado a tradições e costumes, é irreversível. No entanto, compreender o significado, numa visão histórica e contextualizada, é uma forma de derrubar mitos e fazer justiça aos cães. Mais que justiça, render-lhes homenagem de gratidão pela companhia, pela fidelidade, pelos serviços prestados noite e dia. Conhecer a origem das palavras e expressões, confrontar o significado atual com os demais, desde o seu nascimento, é mostrar que o cão não é vil, não é ordinário, não é um ser diabólico. Pelo contrário, é dócil, fiel, carinhoso, cheio de gratidão, prestativo, entre outras qualidades. Quanto ao homem e seu caráter, deixo a matéria para julgamento dos leitores. Cachorrada Grupo de cachorros; grupo de indivíduos ordinários, maus; grupo de pessoas indistintas, multidão; canalhice, safadeza; ato indigno, baixo, indecente, vil. No sentido original, atos praticados por matilha de cães. “Que cachorrada! Esse desgraçado vai me pagar”. São as palavras de quem – humano - foi vítima de traição ou de safadeza de outro ser humano, extravasando sua indignação. O cachorro nada tem a ver com isso, contudo seu nome é usado para reproduzir a vilania e a falta de caráter dos ditos seres racionais. Na verdade, trata-se, antes de qualquer coisa, de uma grande cachorrada cometida contra os cachorros. Canalha Cafajeste, desprezível, ignóbil, imundo, infame, mesquinho, miserável, ordinário, patife, reles, sacana, safado, sem-vergonha, sujo, torpe, vil, vilão. Termo vindo do substantivo coletivo italiano “canaglia”, conjunto de pessoas desprezíveis, formado pelo substantivo “cane”, cão, acrescido do sufixo depreciativo “aglia”. Por sua vez, do latim “canis”, cão. Vida de cão Atualmente, vida de cão é o mesmo que vida penosa, trabalhosa, dura, de maus tratos ou de miséria. Cínico é o indivíduo sarcástico, irônico, hipócrita, oportunista, inescrupuloso, fingido, aproveitador, sem caráter. Entretanto, ao recuperar a história do termo cínico, verifica-se que houve total alteração do sentido original. Do grego “kion”, cão, e “kynikós”, relativo a cão. Em latim, “canis”, cão. A palavra “cão” é mais elitizada e seu sinônimo “cachorro” é de uso popular, embora hoje se confundam no emprego diário por parte dos falantes das mais variadas camadas sociais. Os cínicos O cão foi domesticado pelo homem há muitos séculos, passando a ser considerado seu melhor amigo. Na antiga Grécia, cínico era viver com o um cão, ou seja, ser seguidor da filosofia do cinismo. O criador dessa filosofia foi Antístenes (446-366 a.C.) e seu seguidor mais ilustre foi Diógenes de Sinope (413-323 a.C.). A doutrina do cinismo caracterizava-se pela pregação do retorno à vida em estrita conformidade com a natureza e total oposição aos valores sociais e culturais em vigor, com base na convicção de que é impossível conciliar leis e convenções estabelecidas com a vida natural e virtuosa. Diógenes tinha uma vida nômade, perambulando pelas ruas. Morava num barril, e seus bens eram um alforje, um bastão e uma tigela. A filosofia do cinismo – viver como vive um cão A apologia da vida simples, mendicante, o desprezo pelas convenções e pelos bens materiais deixou de ser algo feio. Exemplos iguais vinham de profetas judeus e, mais tarde, de seguidores do cristianismo. Corresponderia, hoje, à chamada vida franciscana, espelhada no exemplo de São Francisco de Assis e de seus adeptos. Por isso, originalmente a palavra cínico tinha o sentido literal de viver como um cão, ter vida de cão, referindo-se tão somente ao modo de vida de Diógenes, o filósofo que vivia como um cão. É bom restabelecer a ordem histórica dos sentidos e não atribuir ao cão uma culpa que não possui, o que seria injusto, além de anacrônico. E se a culpa não é do cão, com certeza, ela deve ser atribuída ao ser humano, dono de cão, que não soube tratá-lo devidamente nem respeitar seus direitos e sua natureza. Há inúmeros outros vocábulos vindos do grego que confirmam esse sentido original, entre eles: Cinofilia (cino – de “kion”, cão + “filos”, amigo): amor pelos cães; Cinofobia (cino + “fobos”, medo, fobia): medo de cães; Cinografia (cino + “grafos”, escrita, grafia): tratado sobre cães; Cinocéfalo (cino + “khéfalos”, cabeça): que tem cabeça de cão. Matilha e cambada de sem-vergonhas Matilha – substantivo coletivo- é um conjunto de cães de caça. No sentido figurado, agrupamento de vadios, cambada, corja, súcia. Na linguagem coloquial, é comum ouvir-se a expressão, com tom depreciativo e maledicente: Cambada de sem-vergonhas! Ditado popular Preso por ter cão, preso por não ter cão Culpado de qualquer modo. Retrata a situação de quem não tem mais o que dizer e fazer ou desmentir e deixar de fazer: sua sorte já está selada. Não há mais palavras, argumentos, discursos ou ações que modifiquem seu destino. É considerado culpado, está condenado e não há o que possa alterar seu caminho e sua reputação. Nada mais vai mudar o que se pensa a respeito dele. Todas as providências, de qualquer natureza, serão inúteis e ineficazes. Em certo aspecto, equivale a outro ditado: Se correr, o bicho pega; se parar, o bicho come. FONTE: Pesquisa elaborada pelo professor e escritor Ari Riboldi, da SMED.

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