quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Amor - Flávio Gikovate - Escrito em 03/08/2002

Recebido por e-mail em 19/10/2003

"
>O texto é longo, mas, na minha opinião, vale a pena ler. Não sei se

> >concordo com tudo, mas não é preciso. " 
Renaflor
 
 
> >UM ROTEIRO PARA SER FELIZ NO AMOR
> >1. O amor é um sentimento que faz parte da "felicidade democrática",
> aquela
> >que é acessível a todos nós. É democrática a felicidade que deriva de nos
>
> >sentirmos pessoas boas, corajosas, ousadas, etc. A "felicidade
> >aristocrática"deriva de sensações de prazer possíveis apenas para poucos:
>
> >riqueza material, fama, beleza extraordinária. Felicidade aristocrática
> tem
> >a ver com a vaidade e é geradora inevitável de violência em virtude da
> >inveja que a grande maioria sentirá da ínfima minoria.
> >
> >2. É difícil definir felicidade: podemos, de modo simplificado, dizer que
>
> >uma pessoa é feliz quando é capaz de usufruir sem grande culpa os
> momentos
> >de prazer e de aceitar com serenidade as inevitáveis fases de sofrimento.
> É
> >impossível nos sentirmos felizes o tempo todo, mas os períodos de
> >felicidade correspondem à sensação de que nada nos falta, de que o tempo
> >poderia parar naquele ponto do filme da vida.
> >
> >3. Apesar de ser acessível a todos, o fato é que são muito raras as
> pessoas
> >que são bem sucedidas no amor. Ou seja, devem existir um bom número de
> >requisitos a serem preenchidos para que um bom encontro aconteça. Não tem
>
> >sentido pensar que a felicidade sentimental se dê por acaso; não é bom
> >subestimar as dificuldades que podemos encontrar para chegar ao que
> >pretendemos; as simplificações fazem parte das estratégias de enganar
> >pessoas crédulas.
> >
> >4. O primeiro passo para a felicidade sentimental consiste em aprendermos
> a
> >ficar razoavelmente bem sozinhos. Trata-se de um aprendizado e requer
> >treinamento, já que nossa cultura não nos estimula a isso. Temos que nos
> >esforçar muito, já que os primeiros dias de solidão podem ser muito
> >sofridos. Com o passar do tempo aprendemos a nos entreter com nossos
> >pensamentos, com leituras, música, filmes, internet, etc. Aprendemos a
> nos
> >aproximar de pessoas novas e até mesmo a comer sozinhos. Pessoas capazes
> de
> >ficar bem consigo mesmas são menos ansiosas e podem esperar com mais
> >sabedoria a chegada de amigos e parceiros sentimentais adequados.
> >
> >5. Temos que aprender a definir com precisão nossos sentimentos. Nós
> >pensamos por meio das palavras e se as usarmos com mais de um sentido
> >poderemos nos enganar com grande facilidade. Cito, a seguir, alguns dos
> >conceitos que tenho usado e o sentido que a eles atribuo. Amor é o
> >sentimento que temos por alguém cuja presença nos provoca a sensação de
> paz
> >e aconchego. O aconchego representa a neutralização do vazio, da sensação
>
> >de desamparo que vivenciamos desde o momento do nascimento. O aconchego é
>
> >um "prazer negativo", ou seja, a neutralização de uma dor que existia -
> nos
> >leva de uma condição negativa para a de neutralidade. Amizade é o
> >sentimento que temos por alguém cuja presença nos provoca algum aconchego
> e
> >cuja conversa e modo de ser nos encanta. Segundo essa definição, a
> amizade
> >é sentimento mais rico do que o amor, já que a pessoa que nos provoca o
> >aconchego - apesar de que menos intenso e, porisso mesmo, gerador de
> menor
> >dependência - é muito especial e desperta nossa admiração pelo modo como
> se
> >comporta moral e intelectualmente. Sexo é uma agradável sensação de
> >excitação derivada da estimulação das zonas erógenas, de estímulos
> visuais
> >e mesmo de devaneios envolvendo jogo de sedução e trocas de carícias
> >tácteis. É evidente que a sexualidade envolve questões muito complexas,
> que
> >não cabe aqui discutir. Quero apenas enfatizar que sexo e amor
> correspondem
> >a fenômenos completamente diferentes, sendo que o amor está relacionado
> com
> >o "prazer negativo" do aconchego e o sexo é "prazer positivo", já que nos
>
> >excitamos e nos sentimos bem mesmo quando não estávamos mal; o amor nos
> >leva do negativo para o zero, ao passo que o sexo nos leva do zero para o
>
> >positivo. Amor, sexo e amizade podem existir separadamente e também podem
>
> >coexistir. A mesma pessoa pode nos provocar aconchego e desejo sexual
> mesmo
> >sem nos encantar intelectualmente; nesse caso, falamos de amor e de sexo.
>
> >Podemos estabelecer um elo de amizade e sexo sem o envolvimento maior do
> >amor. Podemos vivenciar o sexo em estado puro, assim como o amor - como é
> o
> >caso do amor que podemos sentir por nossa mãe, que independe de suas
> >peculiaridades intelectuais e não tem nada a ver com o sexo.
> >
> >6. A escolha amorosa adequada se faz quando o outro nos desperta o amor,
> a
> >amizade e o interesse sexual. A essa condição tenho chamado de +amor,
> mais
> >do que amor. Amigos são escolhidos de modo sofisticado e de acordo com
> >afinidades de caráter, temperamento, interesses e projetos de vida (falo
> >dos poucos amigos íntimos e não dos inúmeros conhecidos que temos). A
> >escolha amorosa deverá seguir os mesmos critérios, sendo que a escolha
> >depende também de um ingrediente desconhecido e indecifrável - porque
> >escolhemos esse e não aquele parceiro? Não é raro que no início do
> processo
> >de intimidade a sexualidade não se manifeste em toda sua intensidade.
> Isso
> >não deve ser motivo de preocupação, já que faz parte dos medos que todos
> >temos quando estamos diante de alguém que nos encanta de modo especial.
> >
> >7. O medo relacionado com o encantamento amoroso é que determina o estado
>
> >que chamamos de paixão: paixão é amor mais medo! Temos medo de perder
> >aquela pessoa tão especial e do sofrimento que, nessa condição, teríamos.
>
> >Temos medo de nos aproximarmos muito dela e de nos diluirmos e nos
> >perdermos de nós mesmos em virtude de seus encantos. Temos enorme medo da
>
> >felicidade, já que em todos nós os momentos extraordinários se associam
> >imediatamente à sensação de que alguma tragédia irá nos alcançar - o que,
>
> >felizmente, corresponde a uma fobia, ou seja, um medo sem fundamento
> real.
> >As fobias existem em função de condicionamentos passados e devem ser
> >enfrentadas de modo respeitoso mas determinado.
> >
> >8. Para ser feliz no amor é preciso ter coragem e enfrentar o medo que a
> >ele se associa. Esse é um exemplo da utilidade prática do conhecimento:
> ao
> >sabermos que o amor - aquele de boa qualidade, que determina a tendência
> >para a fusão e provoca a enorme sensação de felicidade - sempre vem
> >associado ao medo, não nos sentimos fracos e anormais por sentirmos
> assim.
> >Ao mesmo tempo, adquirimos os meios para, aos poucos, ir ganhando terreno
>
> >sobre os medos e agravando a intimidade com aquela pessoa que tanto nos
> >encantou.
> >
> >9. Quando o medo se atenua, desaparece a paixão. Isso não deve ser
> >entendido como o enfraquecimento ou o fim do sentimento amoroso pleno.
> >Sobrou "apenas" o amor. O que acaba é o tormento, o "filme de suspense".
> >Fica claro que a coragem é requisito básico para a vitória sobre o medo e
> a
> >realização do encontro amoroso. O encontro é menos ameaçador quando somos
>
> >mais independentes e capazes para ficar sozinhos; nossa individualidade
> >mais bem estabelecida nos faz menos disponíveis para a tendência à fusão
> >que é usual no início dos relacionamentos mais intensos. Quando o medo se
>
> >atenua costuma aumentar o desejo sexual. Se o parceiro escolhido for
> também
> >um amigo não faltarão ingredientes para a perpetuação do encantamento.
> >Desaparece o medo mas não desaparecerá o encantamento, a menos que a
> única
> >coisa interessante fosse o "filme de suspense" - e se for esse o caso é
> >melhor que o relacionamento termine aí. No +amor assim constituído, o
> >encantamento só desaparecerá se desaparecer a admiração.
> >
> >10. A admiração só desaparecerá se houverem abalos graves na confiança ou
>
> >se tiver havido grave engano na avaliação do parceiro. É evidente que ao
> >longo de um convívio íntimo com uma pessoa com a qual temos muita
> afinidade
> >surgirão também diferenças de todo o tipo. Não existem "almas gêmeas", de
>
> >modo que nem todos os pontos de vista serão afinados, nem todos os
> hábitos
> >serão compatíveis, etc. É o momento em que surge uma certa decepção e
> >dúvidas acerca do acerto da escolha. É nesse ponto que percebemos que a
> >escolha amorosa se faz tanto com o coração como com a razão: a admiração
> >deriva de uma avaliação racional do outro, ainda que o façamos de modo
> >camuflado porque aprendemos que o amor é uma mágica determinada pelas
> >flechas do Cupido. A avaliação da importância das diferenças que
> finalmente
> >se revelaram determinará a evolução, ou não, do relacionamento. A
> >serenidade na análise de situações dessa natureza só pode acontecer com
> >pessoas portadoras de boa tolerância a frustrações e contrariedades.
> Assim,
> >a maturidade emocional que se caracteriza pela capacidade de suportarmos
> >bem as dores da vida é requisito indispensável para a felicidade amorosa.
> >
> >11. É preciso muita atenção, pois o medo tende a se esconder atrás das
> >dúvidas que derivam das diferenças no modo de ser do outro, do menor
> desejo
> >sexual inicial e também das eventuais dificuldades práticas derivadas das
>
> >circunstâncias da vida daqueles que se encontraram e se encantaram. O
> medo
> >é sempre presente e se formos mais honestos conosco mesmos saberemos
> melhor
> >separá-lo de seus disfarces. É porisso que o conhecimento, que determina
> >crescimento e fortalecimento da razão, é tão útil para que possamos
> avançar
> >até mesmo nas questões emocionais. A coragem é a força racional que pode
> se
> >opor e vencer o medo. Ela cresce com o saber e as convicções e também com
> a
> >maturidade emocional que nos faz mais competentes para corrermos riscos e
>
> >eventualmente tolerarmos alguns fracassos.
> >
> >12. A maturidade moral dos que se amam é indispensável para que se
> >estabeleça a mágica da confiança, indispensável para que tenhamos coragem
>
> >de enfrentar o medo de sermos traídos ou enganados, o que geraria um dos
> >maiores sofrimentos a que nós humanos estamos sujeitos. Não podemos
> confiar
> >a não ser em pessoas honestas, constantes e consistentes. Assim sendo,
> este
> >é mais um requisito para que possamos ser felizes no amor. Temos que
> >possuir esta virtude moral e valorizá-la como indispensável no amado. Não
>
> >há como estabelecermos um elo sólido e verdadeiro com um parceiro não
> >confiável a não ser que queiramos viver sobre uma corda bamba.
> >
> >13. São tantos os requisitos básicos para que o +amor se estabeleça que
> não
> >espanta que ele seja tão incomum mesmo sendo uma felicidade possível para
>
> >todos. Temos que nos esenvolver emocionalmente até atingir a maturidade
> que
> >nos permita competência para lidar com frustrações. Temos que avançar
> >moralmente para nos tornarmos confiáveis. Temos que ganhar conhecimento
> >mais sofisticado e útil sobre o amor para que possamos ter uma razão
> >geradora da coragem necessária para ousarmos nessa aventura. Temos que
> ter
> >competência para ficar sozinhos para que possamos desenvolver melhor
> nossa
> >individualidade e não nos deixarmos seduzir pela tentação da fusão
> >romântica e a excessiva dependência, além de podermos esperar com
> paciência
> >a chegada de um parceiro adequado. As virtudes necessárias à felicidade
> >sentimental são todas elas "virtudes democráticas", ou seja, acessíveis a
>
> >todos e cuja presença em uns não impede que surjam nos outros - é sempre
> >bom lembrar que o mesmo não acontece, por exemplo, com o dinheiro: para
> que
> >uns tenham bastante é inevitável que muitos outros tenham pouco. As
> >virtudes democráticas podem existir em todos aqueles que se empenharem no
>
> >caminho do crescimento interior. Acontece que elas não são fáceis de
> serem
> >conquistadas e nem se pode chegar a elas a não ser por meio de uma longa
> e
> >persistente caminhada. Não existem atalhos e o trajeto pode demorar anos.
> O
> >caminho é, por vezes, penoso mas ainda assim fascinante. Trata-se de uma
> >densa viagem para dentro de nós mesmos, na direção do auto-conhecimento.
> >
> >14. Quando estamos prontos, o parceiro adequado acaba se mostrando diante
>
> >de nossos olhos. Não precisamos nos esforçar, sair de nossas rotinas de
> >vida e buscar ativamente o encontro amoroso. Tudo irá acontecer quando
> for
> >chegada a hora e sempre é bom ter paciência, já que esperar com
> serenidade
> >é uma das condições mais difíceis de vivenciarmos.
> >
> >15. Se tudo isso lhe pareceu muito racional, lógico e frio, engano seu.
> >Todos esses passos vão nos acontecendo sob a forma de emoções e vivências
>
> >que se dão espontaneamente, sendo que as reflexões deverão servir apenas
> de
> >roteiro para que não nos sintamos tão perdidos. Desde a adolescência
> >experimentamos vários tipos de relacionamentos e deveremos ir aprendendo
> a
> >entender tudo o que está nos acontecendo e todas as nossas ações e
> reações.
> >Primeiro vivenciamos e depois devemos refletir sobre o que aconteceu.
> >Assim, não existe real antagonismo entre emoções e razão; uma complementa
> a
> >outra. Reflexões adequadas e consistentes determinam avanços emocionais,
> >que permitem reflexões mais sofisticadas, geradoras de avanços emocionais
>
> >ainda maiores, e assim por diante. Estabelece-se um círculo virtuoso que
> >deverá criar condições de felicidade sentimental para todos aqueles que
> >seempenharem realmente na rota do crescimento emocional. A felicidade
> >sentimental é a recompensa acessível a todos os que completarem o ciclo
> >mínimo de evolução emocional.
> >
 

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