segunda-feira, 29 de maio de 2017

Vicente da Fontoura 1337

Eu geralmente uso as senhas de todos meus acessos através de duas unidades operacionais em que trabalhei na vida. Dali, elas servem para o resto tudo. São as mesmas sempre, tirando aquelas que o banco já me manda pronta. Trabalhei numa empresa que usava o nome de guerra, como sendo o sobre, já existia uma pessoa com meu nome, na realidade eu vivia escondido naquela empresa e talvez hoje ganhasse menos do que eu ganho e me aposentasse com menos ainda, prefiro não divagar sobre isso, eu só sei que a experiência é que valeu e muito das minhas histórias que conto são daqueles momentos daquela empresa, foi ali que me senti independente, que percebi o quanto eu tinha problema de pressão e que não sei como não infartei antes, sei lá. Na infância eu morava numa casa, grande, me lembro da neve que não vi, e de tantas outras coisas, como o ônibus novo que passava na frente de casa com a sua imponência, com o Walmor dirigindo e me abanando. Lembro-me da parada de ônibus, da primeira palavra que li, do cachorro que não me fazia mal e de tantas outras coisas que representavam a simbologia de uma época. O galinheiro, o triciclo, a bola de futebol. Aquele pátio era muito grande, do terreno baldio lá atrás, das fugidas por cima da cerca, do cavalo do vizinho. Aquela casa, imponente, com a bandeira hasteada foi o começo de tudo, e são tantas lembranças que às vezes não sabemos compreender do prejuízo que tivemos quando nos mudamos para um mundo realmente e completamente revestido de contradições, sem fantasias. A casa da Vicente representa na verdade tudo que poderíamos ter de inocência e aprendizado de como seria o nosso mundo diante do tamanho do desafio que era viver em uma cidade que se redesenhava a cada dia diante de nós. Próximo à Escola Gabriela Mistral, eu percorria aquela zona de uma forma infantil, sonhando em me apaixonar por alguma namorada que me desse o que eu queria, pegar nas mãos sem saber ao certo se tinha condições para isso. Eu gostava daquela vida de não saber porque as coisas aconteciam, do bife que eu não conseguia comer, da bergamota que eu jogava tudo fora por causa da semente, da pandorga que papai fazia e se espatifava, de tão linda que era, na casa do vizinho, que era deserta e a gente queria ver o que tinha dentro da casa, talvez algo inexplorado e algo que nos chamasse para nos proteger de algum medo. A gente precisava voltar a morar naquele local, por algum fator de interesse que nos chamasse para aquele passado tão cheio de fantasias, de natais com vizinhos e pessoas que a gente nem sabia, do porque o Natal e o Ano Novo se confundiam tão seriamente. Das brincadeiras que eram tão importantes que nos remetiam a um universo de momentos deixados para trás em razão de uma nova vida e de um novo conceito de cidade que nos abrangia como um momento de completa privação da liberdade, presos a um perigo realmente e iminente, uma total falta de compreensão de porque não podíamos mais ter aquele mesmo senso de viver num mundo repleto de desejos e certezas de que éramos intocáveis. A gente não deveria ter se mudado nunca, por mais que a casa e a árvore, o abacateiro e as pessoas mudassem , aquela nossa vida passou por um entorpe de necessidade de encontro com o nosso passado mais feliz e emocionado de que vivemos.

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