segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Código de Honra

"Nascido na Inglaterra, criado em Gana e, hoje, cidadão dos Estados Unidos, Kwame Anthony Appiah é um filósofo que acredita que o mundo pode mudar para melhor. Em seu último livro "O Código de Honra - Como Ocorrem as Revoluções Morais", ele debate a importância honra como mecanismo para a transformação da moral. Apaixonou-se pelo tema ao estudar o fim do hábito chinês de amarrar os pés das mulheres de maneira que não crescessem. Durante a palestra que apresentou no Fronteiras do Pensamento, citou exemplos históricos de revoluções morais, bem ou mal sucedidas, e apontou os caminhos que na sua opinião devemos seguir. Quando nos recebeu para entrevista, Appiah também mostrou sua leitura de momentos recentes como os protestos ao redor do globo, a luta pelos direitos civis dos homossexuais, entre outros temas, mostrando como sua teoria se traduz na prática. Agendão: O que define uma revolução moral? Kwame Anthony Appiah: Uma revolução é uma grande mudança em um pequeno espaço de tempo. O que eu entendo por revolução moral não envolve exatamente o plano das ideias, mas o da prática. Isso porque acredito que a realidade é, fundamentalmente, prática. É sobre como nós agimos, sentimos e pensamos. A revolução moral pela qual eu tenho me interessado diz respeito a uma transformação em um tempo relativamente pequeno e à maneira pela qual as pessoas comportam-se em relação a questões morais importantes. No meu livro, um dos exemplos é a amarração dos pés das chinesas, prática que deixou de existir. Quando me refiro a um curto espaço de tempo, tenho que considerar que, infelizmente, mudanças de práticas sociais não acontecem em uma semana ou em um ano, mas em vinte anos, uma geração. Agendão: O senhor diz que a percepção de que uma tradição deve mudar não é repentina. Como funciona a relação entre honra e tradição? Appiah: A honra é tradicional em dois modos. Um tipo de tradição é aquela que determina o que deve ser honrado. Em algumas sociedades, as pessoas honradas são as incansáveis; em outras, os honrados são os escritores. É uma questão de entendimento social. Dessa maneira, podemos concluir que a honra é social. Outro aspecto é que aquilo que você faz quando honra alguém é tradicional. Em alguns lugares, se você quiser demonstrar honra perante alguém, fará uma reverência. Em outros, estalará os dedos quando esta pessoa entrar. São convenções que fazem parte da textura da vida em uma sociedade. Se você quiser mudar algo, isso não pode ser feito em um segundo, vai levar tempo para transformar a tradição. Uma das primeiras coisas a fazer é convencer as pessoas de que há algo errado com a maneira de organização dessa tradição. Esse processo de ver que as coisas estão erradas não muda por si só. Tudo inicia com o reconhecimento dos erros, mas é preciso fazer com que as pessoas realmente comecem a se mobilizar em relação a isso. O caso da escravidão nas Américas, por exemplo, era um sistema de honra. Desonrava os escravos e honrava os que não eram escravos. As pessoas conseguiam ver qual era o problema com esse sistema, algumas desde o começo. Quer dizer, na maioria do tempo em que a escravidão existiu nas Américas, houve quem se opusesse. Mas, passar desse reconhecimento para realmente acabar com o problema, é algo bem mais complicado. Agendão: O que faz um código de honra mudar? E o que nós, na condição de atores sociais, podemos fazer para acelerar esse processo? Appiah: Sabe, sua primeira questão foi sobre o que é uma revolução moral, e eu disse que é um tipo de revolução que pode demorar um tempo. Quando você percebe que algo está errado, obviamente, você vai querer mudar isso de imediato. Se eu disser que você não pode mudar agora, que você precisará de paciência, isso não é muito encorajador. Ainda assim, eu acredito que é simplesmente uma verdade: mudar o status quo toma mais tempo do que gostaríamos. A partir do momento em que mais pessoas aderem, a balança entre quem acha que tudo está OK e quem acha que as coisas devem mudar começa desequilibrar. Até que chegamos àquele momento que os cientistas chamam de ponto crítico. Quando deixa de ser normal enfaixar os pés de suas filhas, ou lutar duelos, ou ter escravos, e passa a ser normal ser contra essas coisas. E aí, rapidamente as pessoas se apressam em aderir ao “lado vencedor”. Dá para ver isso acontecendo na discussão em relação ao casamento gay nos Estados Unidos. Há vinte anos, alguns ativistas (pouquíssimos ativistas, praticamente ninguém, na verdade) eram a favor do casamento gay. Os ativistas gays eram contra o casamento porque acreditavam que era uma instituição burguesa e chata, e os heterossexuais eram contra simplesmente porque acreditavam que os gays não deveriam ter esse direito. Agora, nos Estados Unidos, 65% dos jovens com menos de 29 anos são a favor do casamento gay. Cinco anos atrás, esse número não chegava a 50%. E é isso que configura uma revolução, o começo é muito lento, mas quando chegamos no ponto crítico, tudo acontece muito rápido. Quando algo começa a ser considerado normal, as pessoas naturalmente mudam de lado. Nós queremos concordar com os outros, nós buscamos o consenso, especialmente nas questões importantes. Claro que nem todos mudam. Eu aposto que ainda existe gente no mundo que acha que a escravidão é aceitável. Vocês olham para mim como se não pudessem imaginar tal pessoa. Eu também acho difícil, mas o fato é que ainda existiam escravos na Mauritânia até dez anos atrás. Agendão: Nos últimos anos, vimos um grande número de protestos e revoltas em diversos lugares do planeta: na Primavera Árabe, na Inglaterra, na Espanha, na Turquia e, mais recentemente, no Brasil. Que leitura o senhor faz desses acontecimentos? Podemos estar próximos de uma revolução moral? Appiah: Eu sei que eles parecem a mesma coisa olhando de longe, mas acho que são diferentes. São todos movimentos sociais, todos usaram de alguma maneira as redes sociais para se organizar. Por exemplo, no caso do Occupy Wall Street, eu não tenho certeza que o movimento atingiu alguma coisa. Por outro lado, eu acho que os protestos na Turquia, embora não tenha atingido seus objetivos mais concretos, que era impedir uma construção no parque Gezi, alcançaram, sim, alguma coisa. Não é qualquer um que vai ser presidente da Turquia daqui para frente. A Primavera Árabe, de certa maneira, chegou em algum lugar. Livrou povos de regimes autoritários. Porém, os regimes que eles combatiam eram bem diferentes, então não é uma surpresa que os resultados tenham sido diversos. Os movimentos no Brasil me pareceram surpreendentes. Eu não sei tanto sobre eles. Mas o que eu vejo é que eles reúnem uma gama muito grande de reivindicações, que em geral tem a ver com serviços públicos. E minha impressão é que isso causou uma leva de respostas por parte dos governantes. E, depois, tudo parou. Eu não sei, alguma coisa mudou de fato? É claro que você não pode medir o efeito dessas coisas apenas esperando alguns meses. Você tem que olhar ao longo prazo. Talvez daqui a 20 anos quando olharmos para a história do Egito, poderemos ver que realmente foi o começo de algo. Agora parece uma grande confusão, o exército voltou, protestos em todos os lugares, etc. Mas, você sabe, como eu disse, grandes mudanças ocorrem através de pelo menos uma geração. Não dá para dizer qual o sentido de tudo isso nesse momento. A questão para o Brasil é se essa energia vai continuar. E mais, a questão para todos os movimentos é se eles vão conseguir se organizar. Nas revoluções que eu olhei do passado, a chave foi se organizar e conseguir juntar as pessoas. As sociedades contra a amarração dos pés na China duraram décadas. Eles ganharam, mas levou tempo. Agendão: O fato de nós termos mais informações sobre o que acontece no mundo hoje em dia nos torna responsáveis moralmente? Appiah: Sim, faz uma grande diferença. O problema é que há informação demais. Há um péssimo governo no Uzbequistão, eu sei disso porque é possível procurar online, mas o governo do Paquistão também é horrível, assim como o da Geórgia, e o presidente Putin é tirano. O que eu devo fazer com relação a isso? Você pode ser arrebatado com essa torrente de informações. É claro que há um papel em informar a população de maneira que alguém possa eventualmente achar solução para nossos problemas. Esse debate é válido. Entretanto, eu penso que o mais importante não é apenas mostrar que há um problema, e sim, apontar as soluções. Essa é uma crítica que pode ser feita em relação ao Occupy Wall Street. É importante focar em coisas concretas que nós podemos - e sabemos como – resolver. Uma das grandes questões para as democracias modernas é que elas acontecem em uma escala massiva. Então, o meu voto é apenas um em milhões, um grão de areia em uma praia. Meu voto é importante mas, ao mesmo tempo, não é nada. Eu preciso me engajar em algo que esteja na minha escala, algo que possa fazer. Por alguns anos eu fui presidente da PEN americana [PEN – Poets, Essayist and Novelists, entidade que luta pela liberdade de expressão de escritores em todo globo] e foi realmente recompensador porque nós trabalhávamos em casos bem específicos, nos quais nós conseguíamos ver os resultados. Pegue o caso do Liu Xiaobo [escritor chinês], através da pressão, nós o tiramos da cadeia, e ele ganhou o Nobel. Quer dizer, sem o trabalho da PEN, que contou com apenas algumas centenas de pessoas, isso não seria possível. Achar uma contribuição que você possa fazer e que seja da escala certa para a condição humana é o que há de mais recompensador. Uma versão mais completa da entrevista sai no Jornal da UFRGS do mês de setembro. *Igor Porto, estudante do 6º semestre de jornalismo da Fabico Colaborou Júlia Côrrea (Jornal da UFRGS) " Opinião do autor do blog sobre o texto: Primeiro não adianta reconhecer que está errado e continuar fazendo errado. Segundo: A evolução dos movimentos sociais foram modificando o mundo: a ascenção da mulher e dos GLS só não foi maior no caso deste último pela questão da AIDS, infelizmente os homens se deram conta que é melhor ter um amigo e um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo do que com uma mulher liberada profissionalmente e desorganizada sexualmente, ainda temos que evoluir muito nesse quisito. Os movimentos sociais tem a sua importância, sem dúvida, mas mais importante são as leis, somente agora se ventila a possibilidade da corrupção ser um crime hediondo...mas vemos as leis quanto as drogas seguirem no mesmo caminho, mesmo com tantos problemas de embargos às mesmas. Não me apego ao que acontece nos outros países, mas sim ao que acontece nos EUA, se aconteceu lá, certamente vai acontecer aqui, daqui há 20 anos ou menos, mesmo com o advendo da internet. Entendo que a mudança da pessoa está atrelada com o tipo de situação que a pessoa vive. Para a pessoa querer mudar, ela mesma precisa estar determinada a isso, fazer vários cursos e principalmente entender como funciona os relacionamentos; mesmo assim, a educação a que foi submetida, o tipo de convívio familiar e os exemplos moldam o tipo de pessoa que ela possa ser. Mudança significa admitir que estamos errados e necessitamos ajustar o que está de ruim, o que cá entre nós, não é qualquer um que está afim disso. O resto do texto se explica diante disso.

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