quinta-feira, 26 de março de 2015

Eduardo

Não sei se ele me considerava como amigo, ou coisa do gênero, eu tinha uma relação especial com a mãe dele, mas sei lá o que me atraiu naquele rapaz, se ele tinha um bom coração ou alguma coisa que dizia que tinha uma aura superior. Ele tinha renite alérgica, trabalhava como segurança nas noites, e passava mal com aquela fumaceira. Um dia a gente estava na mesa do café ou da janta, e veio o assunto do olho que havia machucado e eu insisti de que ele deveria procurar o sus e tentar ver se poderia recuperar a visão daquele olho. Já era difícil conseguir emprego com dois olhos, imagina com um olho só. O acidente se deu porque um dia ele estava correndo na rua, como sempre fazia, quando precisou amarrar os tênis e foi literalmente atropelado por uma bicicleta que acabou mesmo por deixá-lo sem a visão de um dos olhos. De tanto eu insistir ele precisou fazer um tratamento revolucionário no Banco de Olhos, que acabou por fazê-lo ter que tirar o olho definitivamente, tanta era a dor que sofria por causa dele. Lembro da mãe dele dizer que dormia de mãos dadas com ele para poder acalmá-lo de tanta dor que sofreu até o dia da cirurgia, e eu pensando que eu era culpado de tudo aquilo e me arrependendo de ter feito aquilo com o rapaz. Ele havia brigado com o irmão há naos atrás, porque ambos haviam apostado todo dinheiro dele num negócio com o irmão, não deu certo e ele perdeu tudo, todas economias, todo dinheiro que havia ganhado com agiotagem, coisa que eu sempre dizia que não era bom para os negócios. Sei que então, insisti que ele fizesse concursos, estudasse para tentar a vida pública, acho que até paguei o primeiro, Auxiliar de Serviços Externos, em que foi reprovado, era para primeiro grau. Depois fez uma prova para uma terceirizada da Petrobràs, que era para fazer um curso para trabalhar em pintura, pagou até, mas o tal curso nunca saiu, até o dia que disse para ele fazer o concurso para trabalhar no Cais do Porto, como batedor de Caixa, pelo Banrisul, com prorrogação de prazo, ele já era considerado deficiente e o trabalho já rendia vale transporte, vale refeição bem alto, e o salário, sem falar do que as empresas deixavam para trás, roupas, sapatos e todo tipo de material que não era mais útil, que ele trazia para casa e podia até usar. Tudo coisa da melhor qualidade. Geralmente a gente conversava durante o jantar ou quando nos encontrávamos e ele começou a freqüentar, cursos, gravar aulas, fazer mais concursos como deficiente, e viu que ele tinha condições de melhorar muito e poder voltar para academia e faculdade e na última vez que fiquei sabendo, o sucesso chegou para ele, foi chamado em um concurso na Justiça, agora com salário estável e com uma carreira pela frente, não necessitaria mais bater caixa no Cais do Porto, coisa que ele ainda fazia para ajudar os colegas, mesmo depois de ter feito um concurso interno lá mesmo, ter passado a conferente e subindo na empresa. Fiquei feliz com aquela determinação, com aquela superação e com aquele auto-controle naqueles momento difíceis que os dois viveram. Eu sempre acreditei que fosse possível, mas confesso que nunca cheguei a pensar que aconteceria de fato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente, se você tiver coragem...