Já foi mais fácil ser feliz
Dr. J.J.Cmargo
Não podendo dormir com o que postamos, rolamos na cama com o
que somos
09/01/2020 - 09h25minAtualizada em 09/01/2020 - 09h25min
No último encontro
do ano passado, promovido pelo jornal O Globo, no Rio,
numa conferência intitulada Felicidade
é o que conta, debatemos a falta que ela nos faz e as causas mais
prováveis da infelicidade. Há consenso de que estamos menos afáveis e mais
circunspectos, e esta introversão definitivamente não contribui para a
construção de felicidade,
por sermos seres primariamente gregários.
O mundo moderno experimentou duas transformações que impactaram o
comportamento das pessoas. Primeiro, o superpovoamento que devia ter aproximado
os inquilinos, mas acabou criando uma situação paradoxal: nunca estivemos tão
sós na multidão. A expectativa inicial de que as redes sociais favorecessem a
aproximação, ainda que virtual, não só não funcionou como resultou no
contrário. Na medida em que ficou evidente a disputa para ver quem está mais
próspero e feliz, com cada um postando o lugar mais lindo que visitou, a comida
mais apetitosa e fotogênica, e até o rótulo do vinho mais caro, sacramentou-se
o Face ou
o Insta (citados
assim para dar uma noção da intimidade) como as plataformas da falsa
felicidade, porque nunca, em nenhuma época, se mentiu tanto. E os psiquiatras
estão alertando que a autopromoção mentirosa é fonte de profunda tristeza,
porque, não podendo dormir com o que postamos, rolamos na cama com o que somos.
Por outro lado, a
mudança de ritmo da vida moderna e a competição profissional acirrada
produziram a ideia bizarra de que o que era prazeroso nas relações humanas,
como solidariedade, empatia e generosidade, passasse a ser visto como perda de
tempo.
A consequência previsível dessas mudanças foi sentida em todas as
áreas, com ênfase na interação pessoal, com desumanização assustadora e
endêmica. Na medicina,
muito se tem sido atribuído à substituição da proximidade física pela
tecnologia, que, com seus braços mais longos, tem afastado o médico dos seus
pacientes carentes, mas não há dúvida que a questão é muito mais complexa.
Não há como pretender um atendimento carinhoso por parte de quem está
sobrecarregado de trabalho, esmagado pela burocracia, humilhado pelo salário
degradante, desestimulado pela falta de horizontes, açodado pelos gestores e
constrangido pelas queixas dos pacientes que o identificam como o único
responsável visível de um sistema cruel e discriminador.
A constatação de
que o Brasil perdeu posições na última década no ranking dos países mais
felizes do mundo (caiu 28º para 37%) estava no centro das questões formuladas
na fase de interação com o público, depois que a tal conferencia
terminou.
Uma jornalista, usando como gancho os dados dessa pesquisa,
perguntou-me a que atribuía essa queda de felicidade nacional.
Pergunta difícil porque a resposta é, obviamente, multicausal, mas me
pareceu adequado sugerir que talvez o povo esteja lendo jornal demais. E,
convenhamos, não dá para ser feliz com tanta notícia selecionada pela
capacidade de escandalizar.
Será que é possível que rolo na cama?
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